O valor do trabalho
- Allan Dionisio
- 23 de jun.
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de jul.
Em um mundo marcado por tensões sociais e também econômicas, o trabalho está no centro de muitos debates ideológicos. Alguns o enxergam como mera fonte de renda ou até mesmo um instrumento de dominação. Outros percebem no trabalho um caminho de dignidade, de realização e até santidade.
Entre essas visões, podemos destacar duas abordagens muito distintas, a do marxismo e a visão católica, especialmente iluminada pelo ensinamento de São Josemaria Escrivá.
Para o marxismo, o trabalho é o "motor da história". O pai dessa ideologia, Karl Marx, via o ser humano como um ser que transforma a natureza através do trabalho e, ao fazê-lo, transforma a si mesmo. Todavia, segundo sua visão, na sociedade capitalista, o trabalho se torna um "instrumento de exploração", pois o trabalhador vende sua força de trabalho por um salário, mas o "patrão" se apropria da maior parte do valor que ele produz, o que Marx chama de "mais-valia". Para ele, essa dinâmica gera "luta de classes": de um lado, os que trabalham, do outro, os que se apropriam do fruto do trabalho alheio.
Marx afirmava ainda que o trabalho sob o prisma do capitalismo é alienante, ou seja, o trabalhador não se reconhece no que produz, perde o sentido do fazer e se torna uma peça na engrenagem da produção. A ideologia marxista sonha com uma sociedade futura onde não haja mais classes, nem propriedade privada dos meios de produção, e o trabalho seja finalmente livre e realizado em comum.
Aqui já encontramos um problema: o marxismo vê o trabalho como realidade puramente material e histórica, sendo incapaz de se abrir à transcendência. Essa ideologia reduz o homem a um "ser econômico", perdendo-se a dimensão espiritual e relacional do ser humano. Além disso, a proposta de libertação marxista, ao rejeitar a propriedade privada e propor a dissolução da ordem social existente, acabou, nos fatos históricos, gerando mais opressão,
Trabalho como vocação e caminho de santidade
Em contraste com essa leitura extremamente materialista, a Igreja propõe uma visão profundamente humana e divina do trabalho. Desde a encíclica Rerum Novarum, passando por João Paulo II, Bento XVI até o Papa Francisco, o trabalho é visto como expressão da dignidade humana, como meio de participação na obra criadora de Deus e instrumento de serviço ao próximo.
Assim, trabalhar não é apenas “ganhar o pão de cada dia” ou mesmo "matar um leão por dia", mas meio de colaborar com Deus na construção do mundo, ordenando a criação segundo a caridade, a justiça e a verdade. O trabalho tem uma função social, ética e espiritual, devendo ser justo, bem remunerado, respeitando os limites da pessoa, sua família e seu descanso.
Essa visão ganha ainda mais força nos ensinamentos de São Josemaria Escrivá. O fundador do Opus Dei pregava que todo trabalho honesto pode ser caminho de santidade. Essa visão resgata a vida oculta de Jesus em Nazaré, onde passou a maior parte da vida trabalhando com as próprias mãos, santificando a realidade comum e simples.
Para Escrivá, trabalhar é rezar com as mãos, é oferecer a Deus cada esforço, detalhe, cuidado e intenção. O trabalho bem feito, feito por amor, com competência, humildade e generosidade, se torna lugar de encontro com Deus e instrumento de transformação do mundo.
Josemaria Escrivá propôs uma verdadeira unidade de vida, ou seja, tudo é ocasião de amar, servir e crescer, inclusive o escritório, a fábrica, a sala de aula ou a cozinha.
Essa espiritualidade do cotidiano se encarna também de modo virtuoso na vida de São Luís e Santa Zélia Martin, os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus. Eles foram artesãos e comerciantes em Alençon, na França. Santa Zélia fazia rendas, enquanto São Luís trabalhava como relojoeiro. Ambos viveram sua fé no trabalho, no casamento, na educação dos filhos e no sofrimento, mostrando que a santidade não é privilégio dos conventos ou púlpitos, mas também das oficinas, escritórios e lares comuns. Demonstraram que é possível unir excelência profissional com generosidade cristã, e que o trabalho, quando vivido com fé, pode ser um autêntico caminho de santidade.
Enquanto o marxismo vê o trabalho como campo de batalha, fonte de dominação, que só será redimido pela revolução, a Igreja, em sua sabedoria, vê o trabalho como campo de missão, de redenção e de santificação, que se realiza plenamente quando está unido a Deus e ordenado ao amor.
Obviamente não somos, nós cristãos, ingênuos! Rconhecemos que existe injustiça, exploração e desigualdade. Mas não podemos apostar na luta e no ódio como solução. Devemos apostar na transformação interior da pessoa, que transborda para o mundo, como fermento na massa.
Enfim, não é a luta de classes que redime o trabalho, é Cristo, o Deus que se encarnou e trabalhou com as mãos, que morreu na cruz e ressuscitou, é Ele quem dá sentido pleno ao nosso trabalho. Trabalhar por amor a Deus, com alegria, honestidade e serviço, é viver o evangelho na vida comum. Isso é viver as "coisas do alto"!


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